23-01-2010
Normose
Os bons dicionários da língua portuguesa não registram essa palavra, mas alguém a inventou e já tornou pública e por isso eu peço desculpas ao leitor por usar uma palavra que oficialmente não existe, mas que muita gente a usa pelo seu significado. Normose é aquele sentimento de conformismo com o que está acontecendo, como se tudo ao redor, por mais absurdo que seja, fosse normal. Uma mistura de insatisfação e conformismo ao mesmo tempo.
Pois seja bem vindo a era da “normose”. A mídia, através principalmente da televisão, tem nivelado as mentes como um rolo compressor. Nos tratam como gado para o matadouro. O grande Charles Chaplin inicia um de seus filmes, onde aborda a exploração do trabalhador na era industrial, como uma manada sendo conduzida por aquele grande corredor da morte.
É incrível, todos os meios de comunicação conseguiram um nivelamento tal que as pessoas perderam a autonomia de pensar, de ser independentes, de se distanciar da realidade e ter capacidade de analisá-la com consciência crítica. O sistema de trabalho tem nos colocado em uma situação de dependência, pois no emprego nos acostumamos a ser mandados e nosso tempo e o que temos que fazer tem sido ditado pelo patrão. Quando chega o final de semana ou feriado ou mesmo as férias, ficamos parados, quase sempre diante de um aparelho de televisão, como que esperando que alguém nos mande fazer algo de útil. Nos tornamos cada vez mais vazios, uma sensação de insatisfação. Quanto mais consumimos mais queremos consumir. Quando mais trabalhamos, mais precisamos trabalhar para conseguir dar conta de pagar as contas no final do mês. Quanto mais buscamos crescer, mais nos pegamos estressados, nervosos, intolerantes e insatisfeitos, como se nada do que fazemos pudesse nos trazer de volta o sentimento de paz, harmonia e bem estar.
Não estamos de acordo que um trabalhador use até 15 horas do seu dia para o trabalho, incluindo aí o tempo que gasta para o transporte, mas achamos que isso é assim mesmo. Nos incomoda ver tantas crianças e adolescentes em sinais de Trânsito pedindo ou até mesmo cometendo pequenas infrações, mas achamos que isso é responsabilidade da polícia que não faz sua parte. Queremos mais tempo para ficar com nossos filhos, pois eles precisam de mais atenção e carinho, mas temos que trabalhar e então achamos que é assim mesmo. Sentimos que precisamos dar mais atenção à nossa companheira ou nosso companheiro, mas estamos tão envolvidos com o trabalho que esquecemos até de dar um bom dia, pois temos que trazer o dinheiro para casa e os problemas econômicos absorvem toda nossa atenção. Nos sentimos gordos. Sabemos que o que estamos comendo não nos nutre e nos faz crescer na horizontal, mas nos desculpamos que a vida moderna é assim e que as pessoas ao nosso redor estão também acima do peso, então adiamos uma tomada de providência para a próxima semana, próximo mês, próximo ano. Lembramos que um dia o médico disse para fazermos exercícios físicos para o bom funcionamento de nosso corpo, mas empurrados pela necessidade de ganhar dinheiro, adiamos até uma simples caminhada e cada vez passamos mais tempo sentados, quer no trabalho quer em casa vendo televisão.
A criminalidade tem aumentado e isso é incontestável, mas achamos que isso é o preço que se precisa pagar pela modernidade e cada vez mais nos sentimos acuados em nossas próprias casas com medo de tudo e de todos. Mundo cão esse que nos deixaram não é mesmo? esse definitivamente não é o mundo que sonhamos para nós e para nossos filhos, mas nos sentimos impotentes diante do rolo compressor que nos esmaga na engrenagem da produção e consumo. Saiba que tudo o que está vivendo não é normal ainda que seja comum e tome cuidado com a “normose” se realmente sonha com um mundo melhor. Se quer um mundo melhor, faça coisas diferentes das que tem feito. Mude radicalmente seus hábitos. Estamos no início de um novo ano e os inícios facilitam a mudança. Troque algumas horas que gasta vendo televisão por caminhada e ginástica. Leia um bom livro e terá contato com novas idéias que te farão pensar e ser melhor a cada dia. Se te incomoda tanta criança abandonada ou no submundo da iniciação aos crimes, dê mais atenção a teus filhos que tem um pai e uma mãe que acreditam que dar de comer para os filhos é suficiente. Não duvide, muitas das crianças de rua tiveram pais que pensavam assim. Se te incomoda ver tantos casais brigando ou traindo ou mesmo lares se desfazendo, dê um pouco mais de atenção ao seu cônjuge. Demonstre mais amor às pessoas ao teu redor. A forma de funcionar do coletivo é fruto das atitudes individuais. Se você quer que o mundo mude, mude você primeiro e pare de reclamar do governo e dos outros. Esse é um mecanismo primitivo de auto enganação, para não assumirmos nossa responsabilidade diante de nossos problemas.
* Psicólogo,Dr. Em saúde mental, Psicanalista e escritor- Prof. Associado
- Instit. de Psicologia-UFU-Email: cvital@mailcity.com Tel.034-9158-9012
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