11-07-2009
Nem tudo que reluz é ouro
João é um homem maduro e tem vivido algumas contradições do mundo moderno e isso muitas vezes o angustia. Ele nasceu na roça no interior do Brasil em uma minúscula cidade. Reunindo todos os moradores seus vizinhos em um raio de cinqüenta quilômetros, talvez fossem pouco mais de cem. Aí passou toda a sua infância de uma forma humilde e desde muito cedo seu grande sonho era mudar-se para uma grande cidade. Qualquer uma lhe servia, mas a que mais lhe fascinava era Rio de Janeiro, pois uma vez tinha ouvido falar que essa cidade era tão linda que a chamavam de cidade maravilhosa.
O estilo de vida que João levou quando criança era totalmente distinto daquele que qualquer criança tem hoje em dia, principalmente nas grandes cidades. Não havia luz elétrica e com isso nem pensar em geladeira ou televisão. Também não havia essa parafernália de eletro eletrônicos e muito menos celular. A comunicação com o mundo se dava basicamente por um rádio cuja pilha que o movia era quatro vezes o seu tamanho e pesava uns 3 quilos. À noite, a casa era iluminada por um lampião a querosene e nas noites de inverno, com temperaturas beirando muitos dias zero graus, eram colocadas brasas em uma bacia de alumínio com cinzas que ficava embaixo de uma grande mesa, onde faziam as refeições seus pais e os seis irmãos pois dos outros cinco, uma irmãzinha tinha morrido ainda antes de João nascer e os outros quatro já eram mais crescidos e tinham realizado o grande sonho de João que era ir morar em uma cidade grande. Ao escurecer todos vinham para dentro de casa, comiam uma minestra ou um outro tipo de sopa feita por sua mãe com os legumes que produziam. Depois, por serem muito católicos rezavam o terço em família. Em seguida conversavam sobre o dia de cada um até que um dos pais contava uma estória depois de muita insistência de João ou um de seus irmãos e ao final todos iam para a cama. Quando muito tarde, esse horário não passava das nove horas da noite.
João levantava ao clarear do dia e ia com sua mãe e alguns irmãos capinar a lavoura pois tudo o que comiam era produzido por eles. O excesso de produção, principalmente de arroz e feijão, era vendido para levantar alguns trocados. Sua mãe cultivava com orgulho uma horta ao lado da casa que produzia todas as hortaliças conhecidas na região com abundância, pois adubava a terra com o esterco colhido das galinhas que ficaram presas no galinheiro para o abate, ou das poucas rezes que tinham no pequeno pasto e forneciam pelo menos cinco litros de leite todos os dias. Uma vez seu pai durante o almoço contou sobre a mesa doze tipos de qualidades de comidas e todas tinham sido produzidas por ele, sua esposa e seus filhos.
Como não havia água encanada, João com seus irmãos traziam em baldes a água para o consumo de um riozinho de águas transparentes que passava manso a menos de cem metros da porta de sua casa. Nesse rio João e seus irmãos se divertiam, pescavam, nadavam nus, tomavam banho quando a água não estava muito fria. Seu pai havia ido a cavalo até a nascente do rio e certificado que não havia nenhum poluente. Assim um dos prazeres de João e seus irmãos era tomar água diretamente no rio com a boca.
Hoje João vive em uma grande cidade como era seu sonho. Tem todos os confortos que a modernidade colocou na sua mente como necessidades. Já está no seu segundo casamento e tem uma filhinha de 3 anos. Seus quatro filhos do primeiro casamento moram longe e raramente os vê. Com sua atual esposa e filha saem para trabalhar as seis horas da manha, deixam a menina em uma escolinha e chegam de volta para pegá-la às dezenove horas. Sua mãe tem estranhado que a menininha às vezes não quer voltar para a casa dizendo que gosta da tia porque lhe dá atenção o dia todo, enquanto que sua mamãe e papai não. João e sua esposa saem sem comer nada de manha e ao meio dia comem sanduíches na rua, pois o dinheiro e o tempo de almoço são curtos. À noite improvisam em casa outro lanche.
Comem refeição completa somente aos finais de semana ou feriados quando ela cozinha. Tanto João quanto sua esposa estão com pelo menos vinte kilos acima do peso e ambos fizeram vários exames de saúde, pois têm ficado doentes com freqüência, sentem-se cansados, desanimados. O médico disse que o diabetes de ambos é conseqüência do excesso de peso e do tipo de comida que ingerem todos os dias. Indicou suplementos nutricionais para ambos dizendo que os alimentos hoje tem bem menos nutrientes e muito agrotóxico. Falou também que se não mudarem seus hábitos alimentares sua saúde irá se agravar cada vez mais.
Hoje João se dá conta que na simplicidade do dia a dia de sua infância, conseguiu receber da mãe terra os melhores alimentos e dos seus pais e irmãos todo o amor que uma criança precisa para se desenvolver bem e que hoje não tem tempo para dar para sua filhinha. Sim, hoje ele olha pela janela do teu apertado apartamento numa rua barulhenta e constata com pesar que era feliz e não sabia.
* Psicólogo, Dr. Em saúde mental, Psicanalista e escritor- Prof. Associado - Instit. de Psicologia-UFU - Email: cvital@mailcity.com . Pós doutorando em Saúde Mental na Universidade do Porto em Portugal.Email: cvital@mailcity.com
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