lunes, 5 de septiembre de 2011

QUEM TE REVELOU QUE ESTAVAS NU?


Cláudio Vital de L. Ferreira*

De bem pouco precisamos para viver e ser feliz. Os seres humanos são muito parecidos: nascem , dependentes e desprovidos de bens que serão necessários para sua sobrevivência. Sua família, principalmente através de seus pais, irá prover as condições básicas para sua sobrevivência e desenvolvimento. Tudo o que têm lhes foi dado, quer seja por herança divina através do corpo e inteligência, quer pelos pais através dos bens materiais quer como retribuição pelo suor do próprio rosto. Não fui diferente. Nasci pobre num pequeno vilarejo chamado Serra da Pedra bem ao sul de Santa Catarina, no quarto simples de meus pais, sendo meu pai o parteiro. O parto foi tranqüilo. Afinal de contas, depois de onze partos, meus pais já tinham desenvolvido um ótimo “know How”. De nossa casa era possível ver a encosta da Serra Geral e a neve que a visitava todos os anos no inverno, nos premiando com uma magnífica paisagem, mas nos poupando de seu rigor, uma vez que em toda a minha infância aí passada, nunca nevou onde nasci.
Outro dia repassei com cuidado todas as cavernas de minha memória. Tomei o cuidado de vasculhar cada dobra com todas as recordações que me foram acessíveis ao consciente e as mais doces e felizes estão relacionadas com os onze anos de minha infância em que aí vivi.Os momentos de felicidade foram muitos e freqüentes. A pequena casa onde nasci existe até hoje.A propriedade foi vendida por meus pais quando ainda vivos, mas quem a comprou não a demoliu. É uma casa de não mais de cinqüenta metros quadrados, toda em madeira rústica, com um jirau mostrando os baldrames que sustentavam seu telhado e por onde corriam na escuridão da noite ratazanas enormes em busca de alimentos sem me provocar qualquer tipo de medo, pois tínhamos um acordo eles não me mordiam e eu não fazia mal a eles. A Altura desse jirau não ultrapassava um metro e meio e desde bem pequeno aprendi a ser cauteloso ao andar no escuro, tão logo minha altura ultrapassou essa medida, pois o descuido deixou algumas marcas na minha cabeça. Esse jirau continha três camas e eram nelas que dormíamos eu e meus dois irmãos. Nós três éramos os últimos filhos de doze que tiveram seu José e dona Elza.
Em torno dessa casa, meu pai plantou um pomar com a maioria das frutas existentes na época na região. Desde pequeno comi muito pêssego, ameixas, cerejas, vergamota, laranjas, uvas e figos. Algumas outras frutas meu pai propositalmente não as plantou em volta da casa, como o araçá e a guariroba, que chamávamos de gavirova. A vontade de comer outros frutos além dos plantados por ele, nos deu coragem para entramos na mata e caminharmos nas margens do rio que havia bem próximo à casa. Aí havia muitos pés nativos de gavirova e araçá, sem contar as deliciosas quaresmas, sempre amarelinhas nas semanas que antecediam a Páscoa. Lembro de três guaresmeiras enormes na outra margem do rio, nos obrigando, para degustamos seus deliciosos frutos, a travessar suas águas buscando o local mais raso. Quanto mais delicioso o fruto, mais difícil alcançá-lo. As quaresmeiras, acostumadas todos os anos a serem apedrejadas por nós em busca de seus frutos, os escondiam entre as folhas de suas copas a mais de cinco metros de altura. Confesso que de tanto ver meus dois irmãos jogando pedras que eram abundantes na encosta do rio, aprendi a ter pontaria e quase sempre podia comer do fruto objeto do desejo, bem antes de acabar a munição. Lembro que às vezes nem havia quaresmas nas quaresmeiras e sabíamos disso eu e meus dois irmãos, mas dávamos a desculpa que iríamos buscar quaresmas para poder tomar banho no rio, longe da vista de nossos pais, que tinham medo de nos afogarmos diante de alguns trechos com mais de três metros de profundidade. Na tentativa de evitar com que descobrissem nossa arte através da roupa molhada, tomávamos banhos nus e jamais senti vergonha por isso.
Caminhávamos o dia todo para cumprir as tarefas ou para ir até a Escola aliás de nome lindo: “ Escola Desdobrada de Pedra”. Não era de pedra e muito menos desdobrada, mas foi aí que fiz minhas primeiras artes junto com os colegas antes de aprender a ler. Com eles também aprendi a construir meus próprios brinquedos que encantavam mais pela dificuldade em construí-los do que pela beleza da obra. Para levar o arroz para ser descascado na atafona, que chamávamos de tafona, tínhamos um cavalo, muito manso, que pacientemente levava o arroz com casca e trazia ele pronto para ser preparado em forma de arroz brejeiro, ora por minha mãe, ora por meu pai. Minha mãe preferia usar entre os temperos a salsinha e a cebolinha. Já meu pai tinha como segredo para dar sabor o tomatinho que colhíamos em abundância na horta que cultivávamos.
“O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no Jardim do Éden para o cultivar e o guardar(Gen,2:15). Lembro-me que bebíamos limonada adoçada com açúcar grosso e fazíamos suco de laranja. Eu sabia exatamente qual laranjeira dava o melhor fruto que não precisava adicionar açúcar e era desse pé que terminavam primeiro as laranjas. Bergamota haviam muitas pois meu pai, mesmo sem apreciá-la como eu, havia plantado muitos pés e meu prazer era mês de maio e junho subir até a copa e ficar envolvido por tantas frutas amarelinhas que me dava ao luxo de escolher para chupar apenas as de tamanho avantajado. As pequeninhas eram consumidas apenas quando a safra estava acabando e por total falta de unidades grandes. Também cultivávamos a terra e, do que me lembro, comprávamos na bodega apenas o sal, pois tudo o resto produzíamos. Uma vez estávamos almoçando e meu pai pediu a atenção de todos e contou em voz alta os alimentos sobre a mesa. Eram tantas as variedades que o total alcançou a dois dígitos. “ Deu-lhe Deus esse preceito: Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim, mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente”(Gen 2:16-17).
Nesse período de minha infância, meus irmãos mais velhos já moraram fora de casa e alguns em Porto Alegre. Eles vinham nos visitar e aos poucos fui ouvindo que as cidades grandes tinham muitos atrativos: haviam refrigerantes deliciosos servidos em pequenas garrafas, haviam ônibus e automóveis para as pessoas irem de um lugar para o outro. Haviam brinquedos lindos que se compravam prontos, muitos deles importados. Haviam muitos tipos de doces e balas que podiam ser comprados facilmente.Haviam sanduiches deliciosos feitos na hora em bares e lanchonetes. Tudo isso foi incutindo em mim a certeza que lá sim era possível ser feliz e fui sendo seduzido primeiro pela dúvida, depois pela certeza, que em cidade grande sim era possível ser feliz. “ A serpente disse à mulher: “ é verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?”. A mulher respondeu-lhe: “Podemos comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim Deus disse: Vós não comereis dele, nem o tocareis, sob pena de morte”. “ Oh, não!- tornou a serpente – vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal” ( Gen 3:1-5).
A cidade finalmente me seduziu. Não foi Porto Alegre, pois pensei que se a felicidade habitava as grandes cidades, para obtê-la em sua plenitude, nada melhor do que S. Paulo. Tive contato com os objetos de desejo de um adolescente, ainda que não pudesse adquiri-los porque não tinha dinheiro. Lembro inclusive de uma prostituta que fazia ponto próximo a rua Bom Pastor no Ipiranga e que fatalmente eu passava por ela quando retornava da Faculdade na Av. Nazaré. Foi aí que entendi pela primeira vez o que era tentação e o esforço que um celibatário precisa fazer para não ser sucumbido pelo desejo. Foi nesse contexto que o véu se rasgou e vivi um dos piores anos de minha vida e pela primeira vez senti saudades de minha infância.” A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente. Então os seus olhos se abriram; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira, coseram-nas e fizeram cinturas para si”(Gen.3:6-7). “ Mas o Senhor Deus chamou o homem, e disse-lhe: “ Onde estás?”. E ele respondeu: “ Ouvi o barulho dos vossos passos no jardim e tive medo, porque estou nu e ocultei-me. O Senhor Deus disse: “ Quem te revelou que estavas nu? Terias tu porventura comido do fruto da árvore que eu te havia proibido de comer?”(Gen:9-11).
Sofro do mesmo mal de nossos primeiros pais. Quem me revelou que eu estava nu foi a inveja. Sim, enquanto vivia onde nasci com meus pais e meus irmãos, tudo era encantador, o que tínhamos me bastava, mas foi apenas o marimbondo da inveja ter me picado, então comecei a me comparar com os outros e com o que eles tinham e, então, perdi a felicidade e tolo como sempre fui, passei a buscá-la inutilmente até hoje, ora em uma grande cidade, ora numa casa grande e confortável, ora a bordo de um bom automóvel. Hoje tenho dinheiro para comprar uma boa parte das coisas que quero, mas perdi definitivamente o esplendor da felicidade inerente às coisas simples fornecidas diretamente pela mãe natureza e por meus pais e que habitam minha mente em forma de saudade. Como diz meu amigo Rubem Alves,” a inveja não mata. Ela só faz destruir a felicidade. O invejoso é incapaz de olhar com alegria para as coisas boas que ele possui. Os seus olhos são maus. Basta que uma coisa boa que se possui seja por eles tocada, para que ela apodreça”(Cenas da Vida,Pg.84). Conclui que a gratidão é o remédio doce para curar o olho mau. No entanto, para os tolos como eu, o remédio amargo é empurrado goela abaixo quando a desgraça bate à porta e, se partindo a taça de cristal, se rompendo o fio de prata, o que era reto fica torto e o que estava vivo de repente morre. “ Quando a dor é muita as lágrimas não deixam os olhos ver o que os outros têm. E a inveja, assim, morre. Mas então já é tarde demais”.

* Psicólogo,Dr. Em saúde mental, Psicanalista e escritor- Prof. Associado aposentado - Instit. de Psicologia-UFU-Email: cvital@mailcity.com Tel.034-9158-9012



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